Há coisas que só acontecem aos outros, como morrer, ter traumas ou outros problemas de saúde mental. Tive uma cliente que pedia para se esconder, para não se cruzar com a pessoa seguinte, tal o medo que alguém soubesse que precisava de ajuda para resolver os tais dos traumas que supostamente não tinha. Outro viajava mais de 200 kms para ter a certeza que ninguém sabia da sua “vergonha”. Era professor e tinha medo que os pais dos alunos soubessem e de por isso perder o emprego.
Eu também não sou imune ao estigma, há algum tempo fui comprar um antidepressivo para um amigo à farmácia e antes de dar por isso estava a explicar à farmacêutica que não era para mim…
Sabemos mais sobre a tabela periódica e Camões do que sobre o funcionamento básico dos nossos cérebros e sobre a poética das emoções. Se aprendêssemos sobre isso na escola saberíamos que o trauma é uma coisa corriqueira e que todos passamos por ele durante a vida. Na maioria dos casos se for tratado atempadamente não tem sequelas. Saberíamos também que todos precisamos de ajuda para podermos reaprender a viver depois deles. Embora nem sempre seja precisa ajuda profissional. É a reacção da nossa “tribo” que define as consequências ou a ausência delas.
Um dos benefícios da psico-educação é compreender que há uma continuum entre saúde mental e saúde social. A saúde mental de um indivíduo está indissociavelmente ligada à saúde social da sociedade em que vive e vice-versa.
Nos últimos anos têm sido feitas descobertas incríveis acerca do funcionamento dos Humanos. É importante que essas informações cheguem a tantas pessoas quanto possível. No entanto, já sabemos que informação é poder, e a submissão é uma das respostas ao trauma, que muito convém aos tiranos deste mundo. Por outro lado, é provável que não sejam bem vindas de imediato pelas pessoas que mais dela podem beneficiar, confrontam crenças e visões do mundo, como a meritocracia da saúde mental, que tal como as outras pressupõe que as dificuldades emocionais, psicológicas e somáticas são vergonha porque acontecem só aos fracos.
Nas próximas semanas vou fazer o meu melhor para transmitir aquilo que aprendi e partilhar a minha experiência pessoal aqui. Falar dos diferentes tipos de trauma, das respostas de luta, fuga, congelamento e submissão e de outras coisas que por serem de todos e se aplicarem também aos sistemas sociais e políticos, precisam ser compreendidas por todos. E também das formas como podemos auto-regular-nos e mais importante ainda, co-regularmo-nos. Esta informação salva vidas, eventualmente as nossas.