Não vou mentir, tenho medo. Envergonhada porque parece que era suposto ser uma “guerreira”, mas a verdade é que tenho. Oscilo entre compreender que não sou de risco e imaginar-me ou a alguém que amo a morrer porque não há ventiladores. No primeiro caso está tudo bem. No segundo o meu estômago torce-se todo e não vou a tempo de o impedir.
E o que é que isto tem a ver com psico-educação? poderiam perguntar. Tudo tem a ver com psico-educação respondo eu…
Talvez caso a mesma esquizofrenia vos aconteça, se sintam tal como eu, embaraçados pela irracionalidade, ou talvez, se pelo contrário se sentem sempre num dos pólos: sempre calmos ou sempre assustados, não consigam de todo compreender quem está no outro lado. No entanto, estamos apenas a ser humanos. Todos nós os medricas, os corajosos e os esquizofrénicos temporários como eu.
Quando o nosso cérebro percepciona um risco de vida – e tanto faz um real como outro imaginário – o nosso córtex pré-frontal, aquele que é capaz de raciocínio lógico desliga e ficamos nas garras da amígdala. A amígdala é o nosso alarme de perigo e é essencial à nossa sobrevivência. Quando accionada desencadeia uma série de reacções que estão fora do nosso controlo racional.
A sensibilidade e “estilo” da nossa amígdala é determinada pelo tipo de experiências que tivemos na vida, muito particularmente na infância. Experiências continuadas de stress alteram visivelmente a proporcionalidade entre as várias áreas do nosso cérebro.
Perante um risco, e para conseguir manter algum senso de segurança, dividimo-nos entre fóbicos, que toda a gente conhece e que vão evitar o perigo a todo o custo. E a reacção oposta, a contra-fóbica, que provoca o enfrentamento do perigo, como ir à praia de Carcavelos em vez de ficar de quarentena. Apesar de aparentemente opostas,as duas são provocadas exactamente pela mesma necessidade, de manter a sensação de segurança suficiente para conseguirmos continuar a funcionar sem congelar.
Ao contrário do que pode parecer as pessoas na praia de Carcavelos não são só inconscientes, estão tão assustadas como as outras.
Sim, eu sei um fóbico dificilmente coloca alguém em risco por evitar um perigo, e um contra-fóbico coloca por o negar. Mas tornar isto um juízo moral ou de valor não é vantajoso para ninguém.
As pessoas não mudam porque são atacadas nem ridicularizadas, lembram-se de ter alguma vez mudado por essas razões? Podem até submeter-se, mas não mudam. Pelo contrário, reforçam as suas crenças e procuram outros que as partilhem e que as validem. Basta olhar para a história recente para encontrar exemplos variados e tristes disto.
Perante um perigo, a amígdala, que é instintiva, e não o nosso córtex pré-frontal, que é racional, vai decidir se fugimos, lutamos, congelamos ou caso haja um agressor, nos submetemos a ele. Chamo a esta última opção o efeito Dobby. E sobre ele há muitíssimo a dizer.
Cada uma das nossas lindas amígdalas é única e a avaliação de perigo é fundamentada unicamente nas experiências do passado, nas explícitas, das quais nos lembramos mas também das implícitas, as quais não recordamos conscientemente mas que estão armazenadas na memória do corpo. Um dos mecanismos de defesa é esquecer. Esquecemos o que não conseguimos viver. Mas esquecer não é apagar, é simplesmente armazenar na tal memória implícita que vai estar lá, prontinha a ser acedida, em caso de perigo. Quando isso acontece, chamamos-lhe flashback. Como aqueles momentos do filme em que o presente é interrompido por imagem a preto e branco de algum momento do passado. Infelizmente connosco a cor da imagem não muda, e o nosso cérebro não consegue perceber que aquela sensação estranha ou emoção desadequada ao momento não é um momento de loucura, é apenas um regresso momentâneo ao passado. Passado e presente confundem-se.
Um flashback pode durar segundo, horas ou anos. Há pessoas que vivem num flashback ininterrupto de momentos traumáticos do passado. São aquelas que dizem que sempre lhes acontece a mesma coisa. Assim de repente parece chato e ridículo, mas no fundo é mesmo triste alguém viver num replay de uma parte má do filme.
Falta dizer que devido aos nossos neurónios espelho, que espelham as emoções dos outros, é difícil ficar calmo quando muitos estão em pânico. Isso foi muito saudável quando se tratava de fugir de um predador, mas pode não ser o ideal quando os media se alimentam dos nossos medos.
Quando surge uma situação como uma pandemia, as nossas amígdalas sincronizam-se no alarme, depois cada uma responde a partir das suas memórias.
A reacção de luta leva à contra-fobia, enfrentar a fera, negar o perigo e as emoções. A reacção de fuga corresponde à fobia. O congelamento leva á incapacidade de tomar decisões ou concretizar acções. A reacção de submissão a que chamo “Dobby” leva a uma confiança e submissão cega num qualquer poder superior, seja o universo ou o governo.
E como saímos desta situação em que a amígdala é que manda? Sobretudo quando o perigo se mantém durante um longo período? Através da auto-regulação, mas sobretudo através da co-regulação. A auto-regulação tem a ver com a capacidade de nos acalmarmos a nós próprios. Ouvindo uma música que gostamos, respirando, falando connosco próprios, tomando um banho quente e por aí fora. Todas estas coisas são recursos e é fantástico quando conhecemos bem os nossos e sabemos os que funcionam melhor em que situações.
A co-regulação é ainda mais interessante, e é particularmente importante quando a situação é tão grave que não conseguimos auto-regular-nos. A co-regulação funciona em todos os sentidos, quer dizer que se nos co-regulamos por pessoas que estão mais activadas do que nós… por exemplo lendo textos que incentivam o pânico, a nossa amígdala vai ficando cada vez mais activada, sentimos-nos tão em risco que não hesitamos em ignorar o bem estar dos outros e agredi-los física ou virtualmente para nos “salvarmos”.
Se nos co-regulamos por alguém que está calmo, mais tranquilo que nós, se vemos que o outro respira profundamente, que nos olha nos olhos e nos ouve sem crítica, começamos a sentir a coisa mais importante para acalmar a amígdala, conexão.
A mente humana ainda é misteriosa em muita coisa, mas na maioria é compreensível, lógica e geralmente bem adaptada para nos ajudar a sobreviver, como indivíduos e como espécie.
Ela simplesmente não está programada para existir em desconexão. Quando nos sentimos isolados, rejeitados ou incompreendidos, voltamos involuntariamente ao reino da amígdala, que nos faz ver os outros como uma ameaça e não como um recurso.
É por isso que compreendermos-nos melhor uns aos outros é a chave para parar os ciclos de violência. E por muito que possa parecer um cliché, a compaixão e a bondade são muito mais poderosas do que a agressão e a violência para mudar mentalidades. E também um símbolo de força e integridade. Mais vezes do que gostaria funciono das variadas reacções da amígdala, mas pelo menos agora, consigo compreender o que está a acontecer. Algumas vezes,mas nem todas, voltar ao pré-frontal atempadamente e, ser carinhosa comigo própria quando não consigo.
Deixo aqui um artigo que me tocou muito e que apela exactamente a isto, a sairmos da amígdala para o nosso ventral, e do que é o ventral falarei noutro dia.