O que devo fazer? O que posso fazer?

Neste momento todos os olhos estão na pandemia. Os que acreditam, os que não acreditam e os dos que estão algures no meio. 

Parece ser um test-drive daquilo que está para vir. A pandemia mostra-me por um lado como é fácil mudar de hábitos e por outro como é difícil fazê-lo. E sobretudo como é difícil estarmos de acordo sobre alguma coisa e movermo-nos em conjunto. Quando ela passar, porque vai passar mais tarde ou mais cedo, o que vai ficar é a realidade mais dura das mudanças climáticas que continuam a acontecer em cascata durante ela. As mudanças radicais que elas trazem e as decisões difíceis e impopulares que podem ser necessárias para as conter. 

Prevenir ou remediar? Acreditar ou negar? Como podemos usar aquilo que está a passar-se agora para melhorar a nossa resposta ao que já está a acontecer mas para o qual não estamos a olhar de momento?

A árvore Covid esconde a floresta das mudanças climáticas. E a floresta está por trás da árvore também, sendo provavelmente a sua origem. 

A capacidade de confiarmos uns nos outros está reduzida a estilhaços. Não confiamos uns nos outros e, não confiamos nos governantes que como colectivo elegemos e continuaremos a eleger. Esta falta de confiança é compreensível. Os governantes não se têm mostrado de confiança. É um facto que há corrupção e que somos manipulados rotineiramente. É de estranhar que a confiança se tenha perdido? E como se pode reparar o estrago?

Como é possível ouvir as pessoas de quem discordamos e querer compreendê-las em vez de atacá-las? Como podemos recuperar a curiosidade acerca do mundo do outro que o faz sentir e pensar de formas opostas às nossas? Como podemos reencontrar-nos naquilo que nos une em vez de nos destruirmos por aquilo que nos separa?

Não basta a tecnologia e a ciência. É acerca de nós, da forma como comunicamos e como podemos chegar a acordos em que todos sejam incluídos e se sintam respeitados.

Não é eficaz humilhar, ridicularizar ou hostilizar as pessoas com quem discordamos. A melhor forma de reforçar um indivíduo ou de um grupo é mesmo essa. A raiva dá força e as pessoas unem-se quando sob ataque. Atacar reforça aquilo que atacamos. E ninguém se abre a novas ideias quando se sente inseguro ou menosprezado. A única forma de alguém integrar um novo conceito é sentir-se seguro e escutado. Quem tem o monopólio da verdade e quem está completamente errado? Cada tribo partilha crenças específicas e conflituantes, como podemos funcionar quando precisamos mover-nos como uma tribo só?

O grande desafio é conhecermo-nos a nós próprios e uns aos outros. Para isso é preciso mais curiosidade do que medo. E perguntas em vez de afirmações. Quando temos medo defendemo-nos. Nem todas as defesas parecem defesas, muitas parecem ataques. Quando todos têm medo, todos se sentem atacados, todos se defendem. Todos sentem que o agressor é o outro. Mas somos todos o outro de alguém.

Estes mecanismos estão enraizados nos nosso cérebros primatas e nos nossos sistemas nervosos. É preciso muita humildade para começarmos a sair das nossas tamanquinhas de Homo Sapiens e assumirmos que não estamos longe dos nosso primos primatas. Não somos nós e os animais. Somos nós, os animais. É uma constatação de um facto embora façamos muito para nos esquecer disso. A diferença fundamental entre nós e outros animais é o nosso córtex pré-frontal e esse amigo está desligado uma boa parte do tempo.Sempre que nos sentimos em perigo. E algumas pessoas sentem-se sempre em perigo.

Nos tempos que aí vêm precisamos do nosso cortex activo. Precisamos de nos sentir seguros para podermos tomar boas decisões. Precisamos de nos conhecer o suficiente para conseguirmos manter a calma em situações potencialmente stressantes. E isso faz-se através do sentimento de conexão. O tema da próxima publicação.

 

Publicado na CapitalMag em 26/10/2020 – https://capitalmag.pt/2020/10/26/nos-os-animais/

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