Há algum tempo partilhei um vídeo sobre depressão, alguém me chamou a atenção de que as pessoas só falam das suas situações quando já as “venceram”, não era o caso do rapaz do vídeo, mas é bastante verdade. A maioria dos livros, vídeos e por aí fora que se encontram são sobre “vencedores”.
Poucas vezes temos possibilidade de acompanhar o percurso sem photoshop de quem está tão perdido e às aranhas como nós. Na ânsia das soluções e no medo da falta delas, faz-se parecer que as tais vitórias são pontos estáveis, resultado de escolhas acertadas que podemos imitar, em vez de reconhecer que as vitórias são momentos do percurso aos quais se seguem inevitavelmente derrotas e o inverso é igualmente verdadeiro.
Sinto necessidade de me justificar por partilhar confusão, “pensamentos negativos”, incoerências, coisas ridículas e por aí fora. Estou farta de que isso passe por fraqueza ou ingenuidade. Com diz a Beatriz “às vezes eu gostava de ter mais coragem de falar sobre mim própria… Mas há demasiado medo associado a isso.” e assim a Beatriz e muitos outros que precisam falar e ser ouvidos calam-se… E tanta gente que repete o que ouviu dizer, sem arriscar nada, não se cala.
Acredito que ao testemunharmos as vidas uns dos outros acontece a verdadeira aprendizagem, contar histórias faz parte de uma tradição perdida nos tempos de transmissão de conhecimento vivo, de partilha de experiências. Histórias verdadeiras, não filmes americanos ou séries da HBO. Histórias de pessoas comuns com quem podemos identificar-nos e das quais nos vamos lembrar quando estivermos na mesma situação.
Muitas vezes temos que correr riscos para fazer o que consideramos correto. A maior parte das coisas transformadoras implicam riscos, e não são os riscos físicos os do top. Os emocionais são mais assustadores. A principal forma de reprimir sempre foi ridicularizar, e as pessoas com medo das emoções sempre ridicularizaram as que as expressam, não admira que tantos de nós se mascarem com medo do ridículo. O ridicularizar implica “todos” a rirem à custa de um. Começa muito cedo e não é agradável. Lembram-se?
Portanto, demos a palavra aos ridículos, e comecemos a falar de coisas ridículas, como a bondade, a vulnerabilidade, os sentimentos, as dúvidas e incertezas, a raiva, o fracasso. Acho que vamos descobrir que não são ridículas, são humanas e inevitáveis. E que ao escondê-las impedimos-nos de viver na paz possível connosco próprios e com os outros.
Publicado na CapitalMag em 22/09/2020 – https://capitalmag.pt/2020/09/22/a-palavra-aos-ridiculos/